Pó... de arroz
Boas!
Para não maçar muito o nosso extenso auditório (tão extenso que até ecoa) vamos tentar ser sucintos e poupar na tinta. Depois de terem visto este magnífico vídeo de Carlos Paião, agora muito em voga porque foi lançada uma colectânea, o meu post irá tornar-se claro como a água... ou branco como o pó. Veremos...
Hoje acordei tarde... com a cabeça pesada e o cérebro entorpecido. Tive de me vestir rápidamente e sair, coisa que detesto. Os óculos escuros ajudaram a enfrentar o dia, mas não fizeram milagres. Entro na cozinha e entre restos de almoço e crianças em delírios de açucar, a televisão... esse objecto terrível debitava esta música e este vídeo. Ia ao frigorífico ver o que se passava em termos de alimentação, mas rapidamente mudei de ideias e fugi. Pronto, todo um dia se passa - por outras palavras, mais uma feliz dose de higiénico embrutecimento e de companhia humana - e às 4 e tal da manhã quando regresso está a dar o mesmo programa, mas em repetição claro. Enquanto como um pequeno repasto de leite e bolachas aparece novamente esta música, só que agora eu ouço-a com ouvidos de ouvir e devidamente enquadrada no seu contexto histórico. Lançada em 1981, ano associado ao consumo de BRAAAAAANCAAAA, a sua letra começou a remeter-me para outros pós e outras realidades que não o encontro eroticamente pueril que uma audição descuidada poderia encontrar. Vejamos a letra:
Pó De Arroz
Carlos Paiao
Composição: Carlos Paião
Pó de Arroz,
Na face das pequenas
Será beleza apenas, só
Uma corzinha com
Pó de arroz
Rosa é, mulher o pôs
E o homem vai nas cenas
Eva e Adão outra vez
É como enfeitar um embrulho
Arroz com gorgulho talvez
REFRÃO: Pó de arroz
Do teu arrozal
Esse pó que é fatal
És a tal que se encanta com
Pó de Arroz
Não faz nenhum mal
É de arroz integral
Infernal, quando chegas com
Todo o teu arroz (bis)
Pó de Arroz
Tens hoje só pra mim
Pós de perlimpimpim
És um arroz doce sim
Pode ser
Um canto de sereia
Serei a tua teia
E tu serás meu algoz
Mas quando te vais alindar
Alindada vens dar no arroz
Para além de várias escolhas muito questionáveis a nível metafórico, eu acho que a história que esta simples música conta é muito profunda. Sabendo que a cocaína é um estimulante que acelera o ritmo cardíaco e dilata os vasos sanguíneos, vulgarmente conhecida em português como "pó", é de pensar que este pó pode causar algum rubor aos seus utilizadores, tal como é dito nas primeiros versos das primeiras estrofes. Esse rubor, indício de excitação sexual (algo que o uso de cocaína também causa), está presente na tensão sexual do verso "Eva e Adão outra vez". Contudo, para provar o que digo, acho que basta nos debruçarmos sobre o refrão:
Pó de arroz
Do teu arrozal
Esse pó que é fatal
És a tal que se encanta com
Pó de Arroz
Não faz nenhum mal
É de arroz integral
Infernal, quando chegas com
Todo o teu arroz (bis)
Acho que estes versos exprimem a natureza dúplice de uma análise de um vício. De alguém dividido entre o asco e a necessidade. Acho também que carlos paião nos tentava dizer algo. Será que teve uma visão das décadas seguintes ou cantava uma tragédia pessoal? Porque é inegável dizer que, nesta letra, há uma mulher que lhe trazia pó, da sua reserva (leia-se "arrozal")- podemos até dizer que ela era o pó. Pó esse fatal e infernal, mas também inofensivo e integral. Toda a música segue neste registo de encontros com a mulher o homem e o pó que, tal como a mulher, é símbolo de tentação. E, na última estrofe, surge a chave: "Mas quando te vais alindar/Alindada vens dar no arroz". Ela regressa mais bela, com um brilho nos olhos talvez(?), para dar no arroz... no pó... de arroz.
Entre "pós de perlimpimpim" a intensidade da interpretação leva-me a pensar que será um tema que lhe está próximo... que carlos paião sabia muito bem do que falava. Ele sabia que o pó... de arroz "Pode ser/Um canto de sereia/Serei a tua teia/E tu serás meu algoz".
Ouçam a música novamente se acharem necessário e tirem as vossas próprias conclusões... Há uma verdade em todo o lado!
josé de arimateia, a emitir do lado semiótico da insónia