Trabalhar á noite é fodido, o meu cérebro, ainda vai aguentado a pancada ( nos ultimos dias tenho acordado ás 8 e meia... da noite ) mas o estômago não acha assim tanta piada.
Bem, esta frase resume o meu dia a dia, ou melhor, noite a noite desde que regressei ao trabalho depois das férias. O mais absurdo é que estou no turno da noite " por tempo indeterminado " para substituir um colega que foi despedido por levar para casa ( não gosto de dizer roubar ) um dvd!!!!! Mais absurdo ainda, o dvd era oferta na compra do jornal " Expresso " e o nome do filme era " Imnsonia ".
Suponho que o tal colega não deve ter assim tanta vontade de dormir depois de ter sido despedido por motivo tão ridículo. No meio disto tudo quem se fodeu fui eu que vim parar outra vez a este turno.
Falando do que interessa, noutro dia estava a ver uns livros e como não vi nada que me chamasse a atenção já me ia embora, quando me deparei com um livro de Hunter Thompson,( o tal que também escreveu "Delírio em Las Vegas") "Diário a Rum", ainda hesitei, custava 15 euros e tal ... mas depois pensei, e porque não?
Ainda só vou no segundo capítulo e não estou nada arrependido, afinal estamos perante o rei do jornalismo gônzico.
Paul Kemp é o nome do narrador e a personagem que acaba por ser o próprio Thompson, como o Raoul Duke o é no Delírio em Las Vegas, assim como a base da história também é real, o Hunter Thompson esteve mesmo uns anos em San Juan, Porto Rico.
O inicio da história é Paul Kemp, jornalista nova-iorquino, "numa noite péssima dos meados de Janeiro de 1958 " a apanhar um pifo para no dia seguinte dormir melhor no avião, já que ia viajar para a ilha de San Juan para ir trabalhar para um jornal local " San Juan Daily News " a convite de um tal de Lotterman, que tinha fundado o jornal 3 anos antes.
O mais bonito é que segundo consta, o Johny Depp já está em "filmações" interpretando Paul Kemp e parece que também este livro vai dar origem a filme, com Benicio Del Toro desta vez no papel de realizador. Parece-me bastante aliciante.
Não sei se algum dos jardineiros já leu, mas, se ainda não, deixo um pequeno aperitivo gônzico, para quem estiver interessado nesta história:
(
Paul Kemp já na ilha no primeiro contacto com Rob Sala e Yeamon, dois colegas do San Juan Daily News , num bar manhoso chamado o Pátio, que vai ser o ponto de encontro destes jornalistas, e onde se vão servir cerveja e rum que davam para encher uma destilaria: )Ficámos ali várias horas, a conversar, a beber ociosamente, a matar o tempo enquanto um piano triste cantarolava lá dentro. As notas vogavam até ao pátio conferindo á noite um tom desesperançado, melancólico que quase era agradável.
( Paul Kemp no primeiro dia de trabalho: )Ao descer para o edíficio do Daily News vi o bando ( um gang de porto-riquenhos que se plantavam á porta do jornal para roubarem os jornalistas ). Alguns seguravam grandes cartazes e outros estavam sentados na beira do passeio ou encostados aos carros estacionados e de tempos a tempos gritavam a quem quer que entrasse ou saísse. Tentei ignorá-los, mas um veio atrás de mim a berrar em espanhol e a brandir o punho enquanto eu seguia depressa para o elevador. Tentei apanhá-lo na porta, mas ele saltou para o lado quando ela se fechou.
Ao atravessar o patamar da sala de redacção ouvi alguém aos berros lá dentro. Quando abri a porta vi Lotterman em pé no meio da sala, a abanar um exemplar do
El Diario. Apontava para um louro baixinho:
- Moberg! Estupor de bêbado! Tens os dias contados! Se acontecer alguma coisa a essa máquina desconto-te o conserto no cheque de despedimento!
Moberg não disse nada. Tinha um aspecto suficientemente doente para ter que ir para o hospital. Soube mais tarde que tinha ido á redacção completamente bêbado e urinado na máquina de teletipo. ainda por cima tínhamos um furo sobre umas navalhadas no cais e era Moberg quem fazia os casos de polícia. Lotterman voltou a amaldiçoá-lo e a seguir virou-se para Bob Sala, outro jornalista, fotógrafo, que acabara de chegar.
- Onde estiveste ontem á noite Sala? Porque é que não temos fotos das navalhadas?
Sala ficou surpreendido
- Que raio! Acabei ás oito, quer que eu trabalhe vinte e quatro horas por dia?
Lotterman murmurou qualquer coisa e afastou-se. Depois viu-me e chamou-me ao seu escritório.
- Jesus! - Exclamou enquanto se sentava. - Que se passa com estes sornas? Piram-se do escritório, mijam em equipamentos caros, estão sempre bêbados... É para admirar como não enlouqueci!
Sorri e acendi um cigarro. Ele olhou-me com curiosidade.
- Queira Deus que tu sejas um ser humano normal. Mais um pervertido por cá e será a gota de água.
- Pervertido? - inquiri.
- Oh, sabes o que quero dizer - disse ele com um gesto da mão. - Pervertidos em geral, bêbados, sornas gatunos. Sabe Deus de onde vêm.
E prosseguiu: - Não valem um balde de merda! - exclamou. - Infiltram-se aqui como doninhas, fazem-me grandes sorrisos, depois desaparecem sem dizer palavra a ninguém - abanou tristemente a cabeça. - Como é que hei-de tirar um jornal se só tenho esponjas?
- A coisa está feia. - disse eu
- Pois está. - concordou ele -, acredita que está.
Levantou os olhos.
- Quero que te adaptes o mais depressa que puderes. Quando sairmos daqui, vais ao arquivo vasculhar números antigos, tiras umas notas, descobres o que se passa. Mais tarde podes reunir com o Segarra, o nosso chefe da redacção. Disse-lhe que te pusesse a par.
Conversámos mais um bocado e eu disse que tinha ouvido boatos de que o jornal podia fechar. Ele pareceu alarmado.
- Ouviste isso do Sala, não foi? Pois, não lhe ligues, é maluco!
Sorri: - Está bem. Só achei que devia perguntar.
- Há aqui malucos a mais - disse ele ríspido. - Precisamos de alguma saúde.
A caminho do arquivo ia a pensar quanto tempo duraria eu em San Juan, quanto tempo antes de receber o título de « doninha» ou «pervertido», antes de começar a bater em mim ou ser triturado por bandidos nacionalistas. Lembrei-me da voz do Lotterman quando me tinha telefonado para Nova York, o estranho tom abrupto e a linguagem esquisita. Tinha sentido a coisa então, mas agora sabia. Quase conseguia vê-lo, a agarrar o telefone com ambas as mãos, a tentar manter a voz estável enquanto bandos de marginais porto-riquenhos se reuniam á porta do jornal e repórteres bêbados urinavam por todo o escritório e ele tenso a dizer-me ao telefone: - É seguro Kemp, você parece suficientemente normal, venha trabalhar para cá e...
E cá estava eu, cara nova no poço de víboras, futuro pervertido ainda por classificar, a exibir uma gravata garrida e uma camisa de flanela, não exactamente novo mas ainda não acabado : um homem no limiar, por assim dizer, a caminho do arquivo para ver o que se passava.
Saudações gônzicas e Abraço!