sexta-feira, março 03, 2006

Saímos. Batemos a porta.

Andar pelas ruas do Porto é como arriscar num jogo de obstáculos em que nos vemos perante o desafio de contornar objectos, no caso, pessoas. A diferença reside somente no facto de nós sermos o elemento relativamente imóvel e as pessoas persistirem em movimentos imprevistos e inevitavelmente dignos de nota!

Duas velhotas que quase se dão as mãos e tocam as suas fartas cabeleiras fixas por um qualquer componente gasoso nocivo para a camada de ozono, movem-se de limite em limite do passeio, primeiro o esquerdo, depois o direito, mais uma vez o esquerdo, de novo o direito, entretanto colocamos um pé passeio fora e somos surpreendidos por um taxista em fúria, que conta 5 segundo até ao cair do vermelho, gritando um ruidoso “AUUU” interior do qual o cliente é dispensado de ouvir, tudo porque conseguiu o taxista/corredor ultrapassar o semáforo na linha que separa a contra-ordenação grave da muito-grave. Superamos as velhotas.

Esbarramos num indivíduo de casacão de feltro (ou algo parecido, nada que consigamos discernir, nada que nos seja possível comparar senão com feltro, talvez pelúcia fosse o mais indicado mas isso poderia denegrir um pouco a imagem de alguém que se forja com tal boçalidade). Não estão a ver por onde andam, não conseguem reparar que estou com pressa… isto dito pelo casacão de feltro. Não conseguimos efectivamente responder outra coisa que não fosse: vemos que estamos a andar no passeio e vemos ainda que o passeio é lugar para quem anda, não para quem se atira de uma loja de ferramentas e toma para si toda a largura do passeio, inclusive aquela que é ocupada por nós. Fugiu. Em fúria. Rosnando. Provavelmente lamentando o facto de não haver martelos maiores ou moto-serras que gastem apenas 1L aos cem, se possível capazes de cortar cabeças, as nossas.

foto: "Lavagem" por quase.

Velocidade de cruzeiro. Retomamos a conversa e o rumo. Levantamos as cabeças admirando as belas fachadas portuenses com a textura de quem já assistiu a muitas corridas e a incontáveis desatinos como aquele que o indivíduo da pelúcia promoveu entre nós, contudo não mais do que terão estas fachadas assistido a deambulamentos vários hoje feitos por sapatilhas e jeans, ontem por chapéu e tecido xadrez. Torneamos mais uma esquina, sentimos as densidades de luz alterarem-se esbatendo nos cinzentos pouco polidos e marcados pelo insofismável carimbo do tempo. Tempo a que muitos não resistiram para ver o que faria o tempo com as suas fachadas de cinza outrora luzidio, hoje mais Porto.

Cinquenta cêntimos. Tem cinquenta cêntimos que me empreste? Um euro e vinte para o bilhete do autocarro, sou de Amarante. Tenho uma receita, esta receita para comprar medicamentos, uma moeda. Uma moeda. Estacione aqui, aqui, aqui, aqui… desculpe, dá-me licença. Cinquenta cêntimos. Empreste! - Quando é que a cidade nos devolverá os cinquenta cêntimos que todos os dias nos pede emprestado? Por que corre o taxista e o seu cliente? Por que rosnam os feltros da cidade? Por que corres tu? Que fachadas terão todos para ver entre nós e as velhotas de frondosas armações capilares?

Um café…

Babince.

2 Comentários:

Blogger Unknown Disse as coisas que se seguem:

Parecem árvores sem o serem no entanto...
e os pássaros não é nelas que nidificam... mas andam aí, sem ver a natureza que imitam...

Abraço

3/3/06 21:42

 
Blogger Ken Ewing Disse as coisas que se seguem:

He he, frondosas armações capilares como a de Jacinta Bimbô em " Cuidado com as Aparências".

Abraço!

Xiquince

6/3/06 02:25

 

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