sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Esboço de um negócio quase perfeito.

Se me sento na relva húmida e olho em volta com o olhar de um eterno procurador de negócios, o primeiro pensamento que me assalta é hoje claro: vou abrir uma faculdade. Vou estabelecer-me à séria. E logo começo a esboçar as primeiras notas, não vá a memória atraiçoar-me e deixar de fora as melhores ideias, as que surgem na inspiração e se concretizam com trabalho.

Surge então a necessidade de definir a estratégia, que passa obviamente pela escolha dos públicos e dos cursos a leccionar, bem como tudo o que se me ocorre de imprescindível à minha faculdade (área de implantação, infra-estruturas e equipamentos) tendo em conta a lotação das salas, os espaços de lazer, todos aqueles cantos, meios cantos, vãos de escada, elevadores, armários, fax, panos do pó, quadros e apagadores, computadores e projectores, mesas e balcões, os bares dos alunos e dos doutores, dos doutores diplomados e dos doutores trajados, dos trajados porque gostam, dos que trajam não sabem porquê, dos que não trajam. Contas feitas preciso de salas e cadeiras, o que falta fizer compra-se devagarinho, conforme o que colher do meu negócio que isto não pode ser tudo à bruta e não tarda haverão fundos para grandes investimentos, grandiosas atracções e renovações para manter o cliente satisfeito.

Professores há-os na praça a bom preço e isso não será problema, até porque professor é professor e é quanto basta. Se não o é, aprende. Os bons, a maioria diga-se, terão de seguir a batuta do negócio pois se o negócio for bem, bem irão eles como parte integrante da minha empresa. Há muito que se atestou que tempo é efectivamente dinheiro, exige-se então senhor professor que planeie estas matérias para um estreito espaço de tempo, e já sabe que quanto mais fregueses angariar-mos para a sua sala, mais proveitos teremos, mais auferirei eu e mais ganhará, quem sabe, o senhor professor. Sim? Essa pendência relativamente à viabilidade das disciplinas muito frequentadas: bom, descanse, subtrairei em tudo menos nas cadeirinhas, e se problema houver quanto ao espaço, não há nada que uma cadeira d’ali outra d’acolá não resolva. E depois, senhor professor, cuido que serão mais as cadeiras vazias do que as habitadas. O tempo vai consumindo o público, e não se preocupe o doutor com a assistência que se vai porque o melhor cliente é aquele que paga mas não leva, e levando, leva pouco.

Carecerei de professores, um edifício e alunos. Antes dos alunos, não vá esquecer-me, o que irei ensinar na minha faculdade? Medicina. Medicina é sempre prestigiante. Terei os melhores alunos do país a pelejar pelos lugares da minha faculdade. Todavia, e examinando com a minúcia que este meu investimento me merece, concluo que medicina poderá ser um sorvedouro de fundos. Ora os equipamentos, as máquinas, os apetrechos, os instrumentos diversos, o público que só aprende no seu lugar e que torna espaço vazio em espaço ocupado, o que quer dizer pagar o mesmo e levar muito mais.

Para as medicinas não vou. Das coisas laboratoriais urge fugir. A conjuntura não abona tais megalomanias porque o negócio só é bom se for proveitoso… As Letras! Uma sala, um professor, umas cadeiras, uns alunos. Vou ensinar as letras, as literaturas, os grandes autores, as grandes obras. Coisas muito boas porém baratas! Este é decididamente o “sector de actividade” mais vantajoso no negócio das faculdades, é nesse que aplicarei os meus esforços.

Já sei o que levar aos públicos, apalavrei uns professores de boa qualidade, os alunos virão por diversos caminhos que isto é coisa que encanta a todos. Há os alunos que chegarão pelo seu pé, os que comparecerão porque não há mais para onde ir, os que chegam obrigados, os que me escolhem porque sou barato, os que pensam em trabalhar com um dos meus cursos na mão, os que apenas querem um curso, os que precisam de férias, os que precisam de emprego, os que não precisam de emprego mas precisam de férias, os que estão de férias porque estudam e os que estudando em férias estão, porque em férias se fazem os cursos que os meus professores venderão. São os ofícios. Este a cada dia mais para isto do que para os ensinamentos. São os empregos. E só é empregado aquele que dá o meu tempo por bem empregue, e porque do meu tempo se trata, quero empregá-lo assim, nos rendimentos.

Ofereço sociedade séria, com futuro promissor.

Só acautelo para um problema. Grave por sinal. A concorrência!

Babince

1 Comentários:

Blogger Unknown Disse as coisas que se seguem:

O que falta é o perfil de enganador... o resto há! :D

2/3/06 07:22

 

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