sábado, fevereiro 18, 2006

Depois da hora marcada, como é óbvio

Como mercearia que é mercearia abre sempre depois da hora marcada cá estamos nós, mais uma vez atrasados. Contudo o que seria das maiores e afamadas mercearias sem o seu enorme grito de permanência de outra forma de estar na vida? - como a D. Aninhas, mesmo aqui no cimo da minha rua, que se pode orgulhar de em mais de 30 anos de funcionamento nunca ter tido um horário a respeitar ou sequer afixado na sua porta (o que nos dias de hoje, em que as horas são mais preciosas que o dinheiro, é algo digno de nota).
Apesar das aparências ilusórias na mercearia nada é fácil: é preciso procurar e agarrar com força o que queremos porque pode surgir uma avozinha possessa com uma súbita necessidade de alegria que se cola a nós tentando compreender a razão do nosso sorriso e porque razão levamos tanto sabonete... Percorro o corredor atravancado de produtos, alguns deles em óbvio risco de queda porque a gravidade da situação não perdoa ninguém. A dificuldade está na escolha.

Após ter o que quero, passo pela fruta, evito habilmente os produtos de limpeza e deixo tudo em cima da caixa. Quando dou por mim estou há horas a falar com os donos… de tudo – porque mercearia que se preze tem sempre tudo. Especialmente a história, sempre breve, de quem lá entra…

Foi há seis anos com uma insuspeita reunião num jardim entre pessoas, bongos, guitarras e garrafas de Super-Bock vazias (se bem me recordo também haveria um Kazoo e Venâncio a matar todos de riso pela primeiríssima vez) que começou “a conversa”… ainda a medo começaram-se a dizer coisas, a passar o tempo… a reconstruir todo um novo vocabulário para o português… Cantar também um pouco para afastar os males, exorcizar demónios, afastar alguns morcegos que se aproximam dos corpos queimados pelo sol.
Horas passadas na relva: sol, marés de informações, troca de livros, troca de músicas, partidas de futebol para terror das hierarquias, Dalão e Sanssila... e sempre o ritmo constante de algumas vozes que não tinham esquecido como se fala e para quê se deve falar.

“A conversa” continua, agora aqui, a este balcão cibernético onde haverá espaço para todas as palavras possíveis, porque é impossível reunir fisícamente neste pequeno balcão todos os Gajos do Jardim (desde Verbatov a uma certa senhora que desmaiou no bar após ter conhecido o Homem do Cajado), a Ciganada Grega… mas podem sempre ficar as visões, as palavras, os filmes e todas as complexas realizações deste bando embrutex, “protótipos de deus” nas palavras de um amigo já desaparecido.

Uma tentativa de recriar um espaço que se fazia em contacto com os outros e com o mundo em que se vive, não na exploração teórica de folhas secas e estéreis. Uma Academia para a qual não há palavras… Sem nostalgia, apenas uma enorme alegria pelo facto de os astros terem girado nesta direcção e de haver pessoas a quem posso chamar amigos enquanto me debruço sobre o balcão e explico o porquê de estar aqui a dizer coisas no meu jeito particular de dizer…

Agora e após estas pequenas palavras introdutórias podemos abrir as portas, esperar clientes, manter o nosso pequeno espaço escondido atrás das grandes torres onde o tempo se escoa…

…sigo rulando!...

Daqui José de Arimateia, segurando e agitando o cálice!...

1 Comentários:

Blogger Zion Disse as coisas que se seguem:

Mais do que morrer de riso pelo som do Kazoo e do deu instrumentista, só mesmo a fantástica caminhada da Ciganada Grega num certo torneio de futsal...;)

18/2/06 21:34

 

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