domingo, outubro 22, 2006

Um canto, uma cadeira, uma janela, uma caneta

É a isto que cheguei: um canto, uma cadeira, uma janela, uma caneta. Espreito sobre o mundo, debruçando-me e quase caíndo para ver melhor este mundo bruto e enlameado. Sob mim e dentro do papel: 19 polícias, 5 carros patrulha, a "Carrinha" fugaz, 2 nazis entre eles. Fecham as ruas, abrem os olhos atentos e tentam comprometer-nos. A armadilha lançada sob os pés. A ilegalidade é o que se quer ver: a confluência de lugar/tempo/evento onde "Eles" se sentem mais fortes. Há milhares de gestos a que "Eles" permanecem indiferentes: racismo, xenofobia, a prepotência de quem se sente acima da lei que defende.

Querem fechar as fronteiras: identificar todos os ilegais... quem não tem o burocrático número tatuado terá de sair. A polícia que não intervém quando é chamada, que protege os já protegidos está aqui para agir junto das massas populares removendo todos os elementos estranhos e prejudiciais para a saúde da nação. A mentira da união perpetuada. Aquilo que vejo é a Europa a erguer as suas ameias; a reforçar as suas muralhas contra quem tenta recolher alguma riqueza do seu seio. A concentração de riqueza (e comida) aqui começa a escassear?
O mundo existe; as fronteiras humanas são débeis sistemas imunitários que nas mentes políticas afastam os vírus... os elementos desestabilizadores.

Queriam fechar o estabelecimento, cegos surdos e mudos a todos os papéis apresentados.
(Mais um caso de analfabetismo funcional?)
Queriam papéis, números, letras, alvarás, autorizações, vistos, bilhetes de identidade, RÁPIDO!
Caem coisas ao chão... nem um esboço de respeito pela propriedade de quem trabalha... Faltam papéis... papéis... papéis... ISSO SÃO FOTOCÓPIAS! FOTOCÓPIAS NÃO SERVEM! TEM DE SER O ORIGINAL!
Entretanto um dos bófias nazis responde a um cidadão que jantava legalmente: Está a falar comigo? Tem algum problema?
Pessoas na rua tentam espreitar para o interior... O proprietário do outro café sorria... bófias andando de um lado para o outro, vigiando, aguardando, espiando... pessoas encostadas à parede do outro lado, a ver...

O trabalho redime na nossa portugalidade? Ou é a árvore figurativa à qual subir retirando benificios da queda? Qual a justiça em hostilizar alguém que tem no seu trabalho árduo o seu ganha-pão? A sua pequena e justa dose de liberdade democrática. Muitos dos chulos que se alimentam do suor e dos calos nas mãos dos trabalhadores são os primeiros a cuspir no prato onde comem e dizem: eles não merecem estar aqui.

Enquanto tudo isto corre à minha volta penso na TV: a lenta deturpação dos factos desde a escolha da notícia a dar, até à imagem a utilizar; o vocabulário eufeminizante que esconde a bruta realidade; a mensagem implícita de que os outros tiveram azar... a culpa não é de ninguém , mas sempre dos outros. O Estrangeiro de onde a Europa e todo o mundo aprenderam desapareceu: agora há o medo; essa pessoa que é preciso recear: o Estranho.
A presença da bófia ali explica-se como: terrorismo psicológico: aparecer, ameaçar, deixar o local referenciado por quem viu, assustar clientela e possíveis clientes, servir alguns interesses amigáveis.

Isto não surpreende quando sabemos que até os varredores... o chamado almeida... não param ali para varrer, para fazer o seu trabalho.

Depois de muito barulho e exigências partem deixando uma casa vazia.. para além da hora de fecho, partem pela noite para encontrar outros males para corrigir. Ficamos nós a arranjar as mesas, a apanhar o lixo, a recolher os vasos, a limpar o chão...
A porta fecha-se.

Fecho o caderno e vou dormir... chega de mundo por agora.

josé de arimateia, preparando os alicerces