quarta-feira, setembro 06, 2006

Dias passados, dias presentes

O pó acumulava-se sob a cama e os restantes móveis da casa. No chão podiamos traçar os mapas da deslocação do mais pequeno insecto ou dos pequenos passos que há muito tempo não se ouvem. Há muito tempo que não regressamos aqui... e a casa ostentava todos os sinais.

O Verão decrescia... sumia-se no adiantar de cada pôr do sol que todos admiravam como belo - contando os dias do fim. Contudo as noites continuavam quentes e eu escutava-as da varanda abandonada, plena de sinais de uma partida apressada, fora de tempo. Olhava para trás revendo os segredos da sala vazia. Entro e passo um dedo sobre a mesa julgando poder recuperar as horas passadas.
Os dias parecem cada vez mais pequenos, claustrofóbicos. Vão fechar-se sobre mim... enclausurar-me dentro das suas vinte e quatro horas - nem mais um minuto para apreciar. Mas é assim que tudo acontece dizem-me...
Sacudo o pó dos dedos e passeio pelas salas vazias desenhando um caminho a cada passo que dou sobre o mapa do chão.

(Agora não temos tempo para nada: nem uma fugaz palavra sussurada na rua, para só nós a ouvirmos e sabermos de que falamos dentro do código secreto do amor. O mundo mata-nos com toda a sua pressa e sede de sangue novo para a matança. Não temos tempo. O tempo foge. O tempo mata. O tempo consome. O tempo come. Só nós morremos de fome, secretos dentro de caixões de vidro.).

Sobre toda esta cinzenta opacidade, este ar quieto que enche com o seu vazio, sinto ainda o teu perfume - aquele enorme cliché tornado real e materializado perante os meus sentidos mentirosos. As paredes caladas à minha volta. Os móveis a escutar o respirar inquieto. Da varanda os ruídos da rua... o ronrronar mecânico da sua fala. A noite fechava-se sobre si e o vento que soprava era frio.

A casa estava vazia e sabia-o.

josé de arimateia


(nota: Libertango, Yo-Yo Ma, Soul of the Tango)