sexta-feira, outubro 19, 2007

Rapaz Muco descobre a vida

Rapaz Muco deu por si atrás de um volante, numa via de aceleração - direcção, PORTO.
Não sabia exactamente o que fazia ali. Olhou em volta, conferiu os espelhos e atacou o IP descongestionado. Preferiu continuar a conduzir a deixar o carro perder o controlo - achou que não valia a pena perder a vida para descobrir porque estava ali.

Algo acabará por surgir... acontece sempre assim nos filmes - e em algumas histórias daquelas que uma pessoa pode ler. É como se a imaginação, essa representação de nós mesmos, tivesse medo de parar.Do horror ao vazio a natureza passa a ter horror à inacção...mas tal como o vazio, será que a inacção existe? ou é o que sobra entre as acções? esses contactos de moléculas, de rodas dentadas a encaixar, de uma continuidade a ser criada, sempre em risco de constante explosão?

Pensava isto e conduzia libertando-se habilmente de carros perseguidores, faixa da esquerda, acelera de cabeça vazia, olhar arguto, mãos dominadoras sobre a máquina. Qual é o próximo passo?

Esperar um telefonema... nem o narrador informaram do rumo desta história? Enfim, são 20h30 de um qualquer domingo, nunca nada acontece aos domingos..., e conduzimos com Rapaz Muco. Muito vago, mas indiciador: para onde é que ele vai? de onde veio? Podemos até acrescentar um porquê, quando e de onde saiu... onde vai chegar? e com quem?

Passa a ponte da Arrábida. As mangas indicam vento lateral, vindo do mar, pouco forte. Amanhã vai estar bom tempo, um pouco frio de manhã. Olhar de novo em frente, escolher um destino ou deixar rolar? Está distraído, ausente seria mais correcto. Olha em volta como se não fosse daquela estrada que está farto de percorrer; como se procurasse atalhos para chegar aonde não sabe que vai.

O rádio limita-se à sua tarefa de preencher os silêncios. Ele nem o ouve claramente de tão absorvido que está. Não posso continuar a andar aqui às voltas. Tenho de me lembrar para onde queria ir... e de como lá chegar já agora. Travagem súbita, carro a cruzar duas faixas de rodagem, buzinadelas várias, sinais de luzes persistentes... É com cada freak! Este pessoal ainda me mata.

Só lhe resta continuar. Entre rios, pontes e overdrives impressionantes estruturas de lama se erguem; luzes medindo a métrica à poesia do caminho. E nem o telefonema acontece. Só é ele e a noite de alcatrão. Ele ataca este dragão pisando mais um pouco o acelerador. O motor geme, cansado, e corresponde lentamente.

Rapaz Muco está encurralado. Apareceu aqui, procura a vida e apenas tem uma estrada negra e circular. Ele passa pelas saídas, soletra os nomes à procura do seu destino e rapidamente os ignora. Assim, nunca vai encontrar nada.

Atenção aos radares. O pé levanta-se automaticamente. Não se pode arriscar a afundar o seu frágil orçamento com a possibilidade de uma multa. Será que devia sair e ir ao hospital? Esta situação não me parece normal. Então dou por mim dentro de um carro, sem passado e com um futuro incerto... tenho em mim a impressão de ter memórias, de ter tido uma pessoa a crescer em mim... mas para onde foi ela? Sinto-me como se tivesse acordado e esquecido o sonho que me acordou.

Os hospitais sempre o aterrorizaram... médicos de afiados caninos e mãos enfeitadas de garras fazem parte do seu pesadelo genético. Um pouco mais e começa a descer em direcção ao Freixo. Vai aparecer um estádio, um shopping, vários apartamentos e escritórios para o exército dos favorecidos. A lei marcial do consumo e da concentração - da oferta e das pessoas.

Outro radar... Nada disto me interessa. Que situação estúpida. Ando aqui às voltas, não acontece nada, nem a merda do telefone toca. Ainda para mais parece que os maluquinhos vieram todos para a estrada. Para que é que saí de casa?

Em breve vai meter ponto-morto e deixar-se levar... acho que vou meter isto em ponto morto e deixar-me ir na descida... a ver se poupo um bocado de gasolina. como dizia, deixar-se levar até à entrada da ponte. Há um sinal que já lhe despertou a atenção: GAIA CENTRO.

Algo dentro dele diz-lhe que é por ali. Que por ali se regressa a casa. Que por ali o sonho termina e ele pode, finalmente, acordar .


Boas!

Para não me acusarem de andar a fugir ao jardim e a entregar-me ao facilitismo de debitar palavras que não as minhas (por muito significativas que essas palavras sejam), vou partilhar aqui convosco, em segunda mão (este capítulo foi escrito para o meu outro blog), a história do Rapaz Muco... um rapaz normal em todos os aspectos, excepto talvez aquela voz com quem ele fala dentro da sua cabeça.

Regressarei em breve com maizzzz... porque toda a gente quer maizzzz...

josé de arimateia, alimentando a sua própria insónia