sexta-feira, agosto 10, 2007

Barcelona, Portugal, Salvia e outros delírios absolutos em semelhança



Bem, isto é parte de Barcelona vista do Parc Guïnardo. À esquerda temos a Torre Agbar, ao centro a Sagrada Família, à direita Mont Juïc e o MNAC. Lá longe, estendendo-se muito azul temos o Mediterrâneo. A bem ou a mal, acabei por guardar o nascer-do-sol sobre o Mediterrâneo para depois, para outra companhia.



Viajar é estranho. Entrei num avião e, passada uma hora, estou do outro lado, 1500 quilómetros mais longe: outro ar, outra gente, outra cidade infinitamente maior e mais urbana. Fez-me bem ver o avião a levantar, a sobrevoar a cidade em que vivo e a afastar-se deixando para trás problemas, traições – a falsidade com que me encheram os olhos durante tanto tempo. ZUUMMMMMMMM – lá ia eu a caminho de algo diferente. Movido pelo incessante egoísmo que fecha os olhos das pessoas omito da parte inicial deste relato Jesus Rodriguez, meu companheiro de viagem. Enfrentou muito melhor o pânico inicial do voo: eu agarrei-me firmemente à cadeira na esperança de que ela amparasse a minha queda. Jesus já aparece novamente um pouco mais longe neste relato.

No aeroporto tivemos o nosso primeiro desaire: uma máquina telefónica manhosa comeu-nos a pasta com que iríamos ligar para Jone… Digo-vos, as cabines de “lá” são ainda mais manhosas do que as de cá. Parecem blindadas e têm um insaciável apetite. Jesus e o seu magnífico telemóvel ligaram e recebemos as nossas coordenadas: Entrar no bus, ir sempre e sair em Urgell; ele estaria lá à nossa espera. Primeiras impressões: bem, essas foram tiradas do ar e aquilo que vi foi uma cidade enorme atravessada por avenidas e perpendiculares; mar, muito mar; carros formigas a mexerem-se pelas ruas; um sol enorme e brilhante. Boas vibrações. Em terra foi o atravessar o trânsito num veículo com ar condicionado: túneis, motas, carros, tráfego a meio da tarde; vias rápidas, sinais em catalão; paragem súbita numa via elevada; conversas em francês e inglês e línguas bizarras e impronunciáveis; dois portugueses a olhar para tudo e a estabelecer o plano de jogo. Lá fora a vida dos “nativos” decorre normalmente entre bicicletas e motas e um delírio apressado pós siesta. Bom!



Reencontro. A casa é perto e precisamos de comprar comida. A comida nem é assim muito cara. Deixamos as coisas em casa e vamos comprar… assim lá para os lados do MACBA. Passear pela cidade à tarde. Ramblas, turistas, nativos, estranhos e estrangeiros; um cota de cerca sessenta anos vestindo unicamente uma daquelas palas verdes que usaria um notário americanos nos anos ’20 e um piercing enorme e refulgente na ponta da gaita a passear, a aproveitar o sol de fim de tarde para escurecer mais a sua t-shirt e calção tatuados… Estranho, mas faz todo o sentido. Niña’ guapa’ que olham e fixam o olhar e sorriem porque é belo sorrir e está calor e respira-se sexualidade no ar. Bom! somos jovens, para quê recear o julgamento? Homens estátua e estátuas de homens, gatos gigantes, olho para trás para ver melhor a rapariga que acaba de passar (e não, não és tu; aquela que eu procuro e secretamente gostava de ter aqui para partilhar da minha loucura contida) e que olhou para mim como quem não me via, mas eu sei que ela me viu pela forma como desviou o olhar, pracinhas pequenas e arejadas… árvores e sombras providenciais. Na Plaza Reial uma fonte, frescura, turistas em delírios fotográficos e eu e Jesus (perdoe-se a piada, mas estava mesmo bem acompanhado!), fugimos do ajuntamento deixando para trás a homenagem a Garibaldi e as palmeiras e a frescura da fonte.


Há muita coisa de que eu não vou falar. Talvez tenha chegado a idade em que prefiro guardar dentro de mim o que vejo penso e faço porque é demasiado real para transmitir aos outros. Mas vou escrever aqui as únicas linhas que escrevi em Barcelona, apesar de toda a minha boa vontade. Vou só explicar o que tinha acontecido no dia anterior: tínhamos ido visitar a Gracia, eu, Jesus, Jone e sua senhora. Quando vínhamos embora encontramos uma loja que estava em liquidação do stock de líquidos; enquanto eles se apaixonaram por vinho e cava eu vi do lado direito de quem entrava na penumbra várias garrafas de rum branco que diziam “Don Sorel” a 3 euros. Um sorriso iluminou-me a face! Após uma noite em que o rum deu cabo de mim depois de eu lhe ter esvaziado o corpo foram poucas as memórias "concretas" que restaram. Lembro-me de um bar manhoso e livre e barato numa casa ocupada, lembro-me também de andar pelas ruas descalço, cheio de calor a dizer coisas - ou a gritar, as versões variam. Acima de tudo precisava de um duche frio para aclarar as ideias. Ganzas e ganzas na praça do MACBA, cerveza/bier gelada, o primeiro gole entornado no chão para os amigos que não estão, ou se calhar não foi lá… Quando voltamos a casa sentei-me no sofá. No dia seguinte, domingo, dei por mim aterrado na sala, sem saber onde estava quando abri os olhos. Só reconheci e me recordei do que se passava e onde tudo se passava por causa dos cheiros, dos ruídos. Tentei ir para o quarto onde era suposto dormir, mas o meu fígado mal-tratado tinha outras ideias. Ainda para mais a vizinha fritava peixe e alguém de casa fritava carne… Os cheiros deixavam-me completamente nauseado. Passei grande parte da manhã a correr da cama, a evitar calcar Jesus que dormia na paz dos santos no chão do quarto e a enfiar a cabeça dentro da sanita para tirar de mim o que quer que estivesse a mais. Alminhas! Apesar de tudo, continuo a dizer que devia ter comprado duas garrafas daquele álcool açucarado – era um bom preço.

Portanto, é domingo, 19h40 minutos hora de Barcelona e estamos no Parc da Ciutadela a descansar, a respirar, a fumar umas brocas e a ver o que se passa.

“Avenidas ordenadas de árvores de todas as espécies, turistas, turistas e nativos circenses, pessoal a fazer ganzas discretamente enquanto os Mossos passam, música de todos os lados, pássaros verdes vindos de um qualquer deliro sul-americano, uma roda de capoeira, mulheres lindíssimas. Uma ressaca de rum monstruosa a pesar-me na cabeça e 5 dias passados em Barcelona. La vida loca (perdoem a citação de Ricky Martin, mas estava muito ressacado). No aeroporto nada fazia crer que fosse assim. Eu e Jesus saímos do avião suados e atrasados uma hora. Milhares de turistas de todos os tipos: “bifes” com camisolas de futebol, nórdicos já vermelhos e mal saíram do avião, alemãs grandes com cara de quem te esmaga a cabeça se não lhes deres o prazer suficiente na altura do orgasmo… não interessa.”

Foi isto tudo o que escrevi. Não havia tempo: tinha tanto para ver, tanto para esquecer. Além do mais, para meter Barcelona dentro de palavras teria de fazer uma enumeração enorme que iria desde o Bairro Gótico a Barceloneta, passaria pela Plaza Tripi (ou Plaza George Orwell, calmamente videovigilada), daria uma volta pelas praias, Champanharia (ai, que grande paulada de Cava e tapas), Ramblas, Raval e Donnër Raval (reconhecido internacionalmente), noites compridas e rápidas, duas turistas inglesas, uma alta e cheia de pinta a outra uma porquinha pequenina, com medo de serem violadas por um Paquistanês mal-intencionado e de olhar homicida que as seguia – correm na tua direcção com as suas mini-saias e maquilhagem e recusam a tua ajuda por receio que sejas um português sádico que lhe vá levantar as saias no átrio do hotel para as possuir à força no elevador (não fui eu que disse isto), Bairro da Inês, cheiro a absinto e putas baratas que te agarram e tentam convencer à força de que tens força na verga apesar de todo o álcool, turistas, agressões entre gritos e garrafas partidas, transsexuais encostados perto dos hóteis fixes e ingleses bêbedos que se enganam até ao momento em que metem a mão e lhes gritam “SURPRESA!”… Chavalos e chavalas a ler o Harry Potter e a chorar com a morte do herói… JK Rowling, os meus parabéns por teres ascendido de escrava de um ressacas a escravizadora de imaginações. Brutal.



Morreria de falta de ar antes de conseguir acabar esta enumeração, o que por si não diria nada ou talvez tudo sobre a cidade…



(No meio de toda esta grandeza libertadora, no vórtice do anonimato e apesar de todas as palavras que me enchiam a boca de libido, eras tu quem eu via nos suaves corpos com que me cruzava. Eram as pistas que me reconduziram a ti que eu procurava. Porque "nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela despenhada de sua órbita viva. - Porém, tu sempre me incendeias".)

Ainda tive oportunidade de ver um ensaio de algo definido como chill-out psicadélico: cítara, guitarra e percussão… Catita! Jone tem sorte com a casa que encontrou. Agora só precisa de uma casa para dar largas ao desespero de quem quer viver tudo.

Ainda não compreendi muito bem o que me aconteceu por lá, mas algo aconteceu. Algo de importante. Isso só se tornou totalmente compreensível há bem pouco tempo, quando recebi uma mensagem para aparecer no Piolho. Rever um amigo, beber umas cucas, falar um coto na esplanada do 77. Nesta altura não fazia ideia de como a noite iria acabar: no Jardim de Soares dos Reis, com uma gigantesca paulada de salvia x20 e uma noite que arrefecia a cada momento que passava.

Quando se sente a pele aspirada do corpo e o mundo todo a fundir-se em sombras e luz que tomam forma num silêncio que sabes corrompido, compreendes a unidade de tudo; a beleza individual de cada partícula que compõe o universo visível e invisível que te rodeia e a necessidade de todas as partículas para a criação de algo tão belo como o mundo. É só saber aproveitar as coisas boas que este tem para oferecer.

Portugal parece-me mais pequeno e tacanho desde que voltei… mas não tem problema. Há sempre alguém a quem podemos ligar quando o mundo se aperta à nossa volta, right baby? E podemos sempre dar a fuga…

Gostaria de acrescentar aqui um abraço a Jesus porque me aturou vários dias e ninguém sabe como eu como isso é difícil; a Jone e a companheiros de casa pela hospitalidade; à sua senhora pelo jantar; à minha senhora pela confiança e por ter esperado; ao mundo por ser uma coisa bonita com a qual uma pessoa se consegue tornar mais sábia.

josé de arimateia, numa paz relativa muito, mas muito agradável

PS- agradeço ao meu alter ego "quase." a cedência de todas as fotos deste post

2 Comentários:

Blogger jóne Disse as coisas que se seguem:

Uh meu amic...
Son bonas i amb molta grácia las palauras que escrius!
ara saps una miqueta més daquest món!
El qu'importa, creieixo jo, es que hi-ha una necesitat de coneixer cosas i més cosas i més cosetas...
Jo he estat amb molt gust i bona companya, la de vosaltres... Aixó es molt important!
Tornar enrera a barna pot ser sempre una opció per a vosaltres.. quan cal una escapada, la meva casa té las portas obertas!!

E como disse um dia primo'bince, também eu "gosto muito deste bar chamado celona.."

Até já e un abraçet catalagués daqui do
jóne


Belas fotos e belas frases carago!

10/8/07 22:10

 
Blogger Mazi Disse as coisas que se seguem:

Este comentário foi removido pelo autor.

11/8/07 07:16

 

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