quinta-feira, dezembro 27, 2007

Zas-tas-tras.

De tarde Aníbal chamou João para uma conversa entre copos de vinho bebidos em tom de boçalidade extrema. O tema da conversa é a noite de Natal que logo-mais se executa. Há pormenores desafinados. Não há pormenores. Maria mulher de Aníbal cunhada de João chamou meio mundo para a ceia, em sinónimo de boa vontade e verdadeiro espírito natalício. Há problemas. Aníbal vociferador incorrigível condena a forma como foi oferecida a casa que pertencendo-lhe, não é dele porque não a sustenta. Estarão vinte no lugar de dez. Maria, Aníbal e os da casa num total de seis. João e os de sua casa num total de quatro. Rodrigo irmão de Maria e de Anabela mulher de João e os de sua casa na soma de três. Márcio irmão de Maria, Rodrigo e Anabela, acompanhado de cinco dos seis filhos. Correia e Júlia, amigos de alguém na clara quantia de dois. São vinte e um para levarmos a conta a rigor. Todos partilharão o espaço entre o pátio coberto e a sala de comer. Faz frio.

A sala de comer é um espaço impraticável. Da porta que faz entrada na casa prolonga-se um corredor com sofá à direita e móvel à esquerda, sobrando espaço para que circule uma pessoa entre eles. Um corredor de quatro passos. Termina num quadrado fácil de ver ocupado por uma mesa redonda onde, bem encolhidos, seis crianças e dois adultos são capazes de comer, como adiante veremos. Segue-se a cozinha e o pátio coberto e fechado por uma estrutura de alumínio. No interior da cobertura um móvel segura uma televisão minúscula. Uma mesa estende-se por todo o espaço para que revezadamente todos comam numa ceia bipartida. A refeição passa-se num ambiente de caos. João e Rodrigo iniciam a refeição junto com Anabela e os filhos desta com o primeiro. Entre o ruído da televisão Aníbal prossegue a lamúria agressiva da noite que se enfracassa enquanto João fixa os olhos nos alimentos que tem no prato e abandona o talher. Rute, filha de Maria e Aníbal, levanta-se para que a mãe tome lugar, ao passo que Aníbal se perde no telecomando procurando aumentar o volume da televisão, mais, mais, mais, mais, mais… os pedidos de mesa são feitos em gritaria. O azeite. Preciso do AZEITE. O pão. O pão. O PÃO. E os diálogos são substituídos por música de tambores e cantares e apitos e guizos e estrondos folclóricos e pancadas. Na sala comem as crianças num total de 6. O pai de 5 e a mãe de um. Comeram e é o que se sabe porque quem conta não viu. Parou. Restou o silêncio e ninguém jorra palavra.

A duas horas para a meia-noite - hora de presentes, de embrulhos e projecção consumista, euforia e pulo - entra o natal pela porta que dá para o pátio distribuindo embalagens gritando nomes procurando presenteados que se perdem na ausência de espaço por entre os recantos das divisões em busca de um lugar para gozarem a descoberta do regalo que chega. Há surpresas trocadas e bonecos perdidos. Não se perdeu uma flauta que traz na boca o seu mais recente dono devolvendo a parafernália sonora que há pouco alucinava e que de momento está de regresso.
Os familiares gritam-se. Há conversas que se começam com uns e se terminam com outros. Elogios a novos objectos que se dedicam a estes pensando que se fala daqueles. Breves momentos reduzidos ao limite do tempo tornando ainda maior a coisa não vivida. Zas-tas-tras. Fim.

Perdido nas estórias,
Babince