Uma semana olímpica
O público português aguardava chocado o desfecho desta história que conseguiu "colar" toda a gente aos filmes... perdão, noticiários especiais das várias estações televisivas... Ironicamente, seria um jornal, o Público, a ficar com as melhores imagens do processo de "neutralização" de um dos assaltantes (um termo muito higiénico usado na conferência de imprensa que fez, antecipadamente, as delícias de todos os jornalistas). É o que dá não ter um plano de apoio... e isto é valido para assaltantes, polícias e jornalistas de igual modo.
Enquanto uma das pessoas que esteve a ver e a seguir a situação que, devido aos muitos filmes vistos e repetidos à exaustão em todos os canais que seguiam a situação em directo, me parecia que ia ter um desfecho nada surpreendente. E assim aconteceu: os "brasileiros", carinhosamente chamados por uns media que ainda pouco sabiam, acabaram por levar com chumbo do grosso num stand off que faria Al Pacino chorar (ver dog day afternoon ou, em português, dia de cão - obrigado jesus!).
De salto em salto e noticiário em noticiário, surgiram mais dados e os "brasileiros" que na mente de todos surgiam já armados até aos dentes com uma t-shirt na cabeça à terrorista faveleiro, começaram a aparecer como apareciam a todos antes dessa situação limite que foi o assalto, prova de fogo a que um não resistiu e, se bem ouvi nos primeiros directos, o outro escapou com ferimentos cervicais... ou tiros nas costas.
Parece que de convictos assaltantes com todo o treino na favela passaram a jovens desordenados e em pânico que queriam vencer rapidamente num assalto que correu mal. Um deles, o sobrevivente (porque mortos não contam histórias e não vendem jornais), até parece que "brincava com crianças" e era uma "pessoa instruída" que trabalhava como recepcionista numa pensão. Sempre o eterno desenrolar de vizinhos sabedores dispostos a contar o que sabem e não sabem a jornalistas sequiosos de factos relativos que corroborem as histórias que já levam na bagagem. Nada de novo até aqui.
Voltamos ao assunto na mente de todos... Os Joguinhos de Poder Olímpico.
Depois da mais atribulada viagem da tocha olímpica nos últimos anos, esse símbolo de paz e união entre os povos foi perseguido várias vezes e escoltado por seguranças outras tantas devido à forma como a China abafou as vozes discordantes que, no Tibete, se aproveitaram da atenção renovada por essa parte do globo. (Não posso deixar de referir aqui a beleza simbólica de um símbolo de união entre povos ter de ser escoltado por seguranças para que não seja apagado.)
Durante a semana começaram a surgir as primeiras queixas de jornalistas chineses e estrangeiros quanto a "restrições" no acesso à internet, deslocações e acessos a certos locais. (Enquanto escrevo isto a RTPn passa uma bonita peça sobre o autocarro de exteriores que a RTP enviou para Pequim para cobrir a ginástica olímpica em alta definição, serviço que ainda não está disponível em portugal... Será auto-promoção? Será encher o chouriço que é o jornal de domingo? Será distração?!? Publicidade barata que passa debaixo dos narizes de editores com reinites alérgicas?)
Para não divagar mais, as queixas que chegaram ao comité olímpico foram recebidas com um "somos responsáveis pela parte desportiva; tudo o mais está fora do nosso alcance". A enorme hipocrisia do comité, hoje algemado como um preso capitalista à estrutura que montou, faz todo o sentido se pensarmos que a China, desde o início, se comprometeu que não haveria tentativas de manipulação mediática. Seria essa umas das condições dadas pela candidatura chinesa?
And something completely different: um homem de nacionalidade chinesa atacou por volta das 12h20 deste sábado, na Torre do Tambor no centro de Pequim, um guia turístico chinês e dois turistas americanos, matando um deles. O agressor suicidou-se saltando do segundo andar da Torre do Tambor, um popular ponto turístico da capital chinesa. A vítima mortal foi identificada apenas como um homem norte-americano que seria parente de um técnico da equipe de vólei masculino dos EUA. Um dos feridos era uma mulher norte-americana, também parte da família do técnico, e o outro era um guia turístico chinês.
Subitamente, como se quer neste tipo de situações, a Federação Russa entrou pela Geórgia dentro. Perdoe-se esta imagem algo manhosa, russos a entrar por georgianos a dentro, mas é isso mesmo que acontece como aliás se pode verificar em várias imagens vinculadas na euronews, CNN e canais nacionais.
Supostamente seguindo queixas de genocídio contra cidadãos russos na Ossétia e Abcásia, antigas repúblicas soviéticas que ficaram anexadas à Georgia, mas que se vieram a declarar independentes na década de '90.
No caso da Abecásia, após a guerra civil de 1992-1993 que destruiu a economia do país (mas a disputa permanece até hoje); no caso da Ossétia do Sul, autodeterminada da Georgia desde a guerra de 1991–1992, porque, segundo a BBC, os Ossetianos do Sul pretendiam unir-se ao resto do seu grupo étnico na Ossétia do Norte controlada pela Federação Russa. Apesar de Saakashvili ter proposto um acordo de paz na qual a a Ossétia do Sul teria uma "grande autonomia" dentro de um estado federal, os separatistas queriam a independência total. Ora, estes dois conflitos mal resolvidos numa altura em que a Georgia se reorganizava depois da fragmentação da União Soviética e de uma independência recém-encontrada e de uma pequena guerra civil que seguiu estes dois factos, foram crescendo até explodirem em 2008. Em Agosto mais propriamente.
Nas palavras do mestre quim barreiros "depois de 31 de Julho, entra Agosto", a gosto entraram também tropas russas num blitz vindo do frio... As pessoas que não apreciam revivalismos históricos que me perdoem, mas isto parece-me muito familiar. "Ah e tal, só vamos ali salvar uns cidadãos nossos e criar um corredor de acesso ao Mar Negro e arranjar ali um cantinho para plantar umas batatas perto de T'bilisi". Não vos faz lembrar algo?
Já começaram guerras por motivos menores... mesmo agora na idade moderna em que rapidamente se castigam os ditadores que conduzem os seus povos para longe da chama da democracia e da liberdade... mas a mesma hipocrisia internacional que olha para o lado enquanto caem bombas na Georgia, e enquanto a liberdade de imprensa (e muitas outras) são retiradas na China, é a mesma que tenta fazer com que ambas as partes resolvam este conflito pacificamente, de uma forma diplomática.
Enquanto isso, há muitos civis que têm, livres de encargos, renovações gratuitas dos seus apartamentos estilo soviete. Entre muitos outros dados, supostamente já morreram 2000 civis georgianos e uma ou duas aldeias foram completamente destruídas. Desde ontem ou desde 1 de Agosto, não se consegue apurar. E os contingentes militares russos avançam inexoravelmente em direcção à capital praticando o que melhor sabem fazer.
A guerra foi declarada: vi uma das primeiras conferências de imprensa dadas pelo presidente georgiano que, entre a surpresa e o pânico, dizia que não queria resolver esta questão militarmente e apelava a uma comunidade internacional para que parassem com este massacre de civis inocentes. Mas a comunidade internacional tem medo do irmão mais velho e musculado e pensa que será melhor seguir os jogos olímpicos em alta definição fazendo de conta que tudo está normal.
Mas, o motivo porque escrevo todas estas coisas é este: enquanto a CNN e outros serviços noticiosos deram espaço a este assunto num directo e ficaram a acompanhar os desenvolvimentos, aqui em Portugal o tempo decorria normalmente. Era sábado, estava sol... não vamos incomodar ninguém com este pequeno incidente. Só a SicNotícias, entre uma publireportagem de um spa e um programa manhoso importado directamente dos States, deu atenção a isto em primeira mão. Mas todos foram rápidos como abutres na cobertura da cerimónia da abertura dos jogos - na qual houve um relance de Putin nas bancadas... Ontem, segundo notícias, já estava numa cidade da Ossétia do Norte. E por falar em abutres, até estes chorariam se vissem de que forma se apostou no choque fácil do grande público com as imagens escolhidas para apresentar este assunto: velhinhas a sangrar; homens a chorar ajoelhados e abraçados a parentes mortos; mais velhinhas pedindo ajuda por entre montes ardentes de destroços.
Falaremos noutro post sobre as dificuldades enormes que o jornalismo hoje em dia tem para mover a cintura...
Numa coisa o Presidente Georgiano tinha razão: a Rússia escolheu muito bem a altura. As atenções estão noutro lado; os espaços para directos nos telejornais já estão tomados e as programações organizadas para contemplar os jogos... não estes jogos de guerra. Por isso a reacção lenta dos media aqui... e a opinião pública vai-se revelar tão lenta e ignorante como eles. Hoje, segundo relatos, o aeroporto internacional de T' bilisi já foi bombardeado. Numa estratégia militar já muito antiga, o que se pretende é isolar o adversário... e esmagá-lo.
O cerco aperta-se. Veremos quanto tempo dura e se, no final de tudo, haverá um pouco de justiça internacional para quem dela precisa.
josé de arimateia, vendo e analisando
PS- Se quiserem ler um pouco mais sobre isto passem aqui
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