segunda-feira, julho 09, 2007

A cavalaria rústica do Mestre de Avis

É a altura do ano perfeita para vir ao Alentejo sufocar com o calor. Estava em Avis a derreter sozinho num Sábado à tarde. Precisava de encontrar a piscina! Já estava um pouco afectado pelas cervejas e por um pica mitra que fumei depois do almoço. Este calor não dá para outra coisa. Não havia placas nem um mapa em lado nenhum. Tive mesmo de perguntar... não que os nativos me assustassem ou algo assim, mas sabia que isso iria ser problemático. Era como se falasse um português diferente - ou não compreendia o que me diziam ou não era compreendido.

Após ter interpelado duas pessoas consegui descobrir que "precisava de ir até à rotunda na entrada da vila, virar à esquerda e a piscina fica perto do parque de campismo". Teria de andar dois quilómetros. Pensei que era na boa, mas rapidamente descobri que eram mais quatro ou cinco quilómetros sob uma canícula demencial. ‘Tá bem prontos, agora é tarde demais para voltar atrás e, além do mais, portugal já é retrocesso suficiente por si só sem a minha ajuda. Quando começava a desesperar por completo a pensar que me tinham enganado e que teria de enfrentar o caminho de volta sem estar encharcado, encontro aquilo devido aos gritos característicos de meninas na pré-adolescência cuja virtude é atacada por adolescentes hormonais em brincadeiras pueris. Preparei-me mentalmente para o cenário que iria encontrar.

Dou 2 euros ao freak da entrada e vou atacar as bordas da piscina. Ambientar-me; olhar em volta; ver o que se passa. Chavalos recreavam o videoclip ou filme soft core da sua preferência em húmidas fantasias pré-sexuais pelas partes baixas da piscina; uma gigantesca baleia antidiluvianas com tatuagens na nâdega direita tinha encalhado ao sol longe da margem – o seu cardume gritava e chapinhava na segurança do seu elemento natural. Todas as mulheres para quem se podia olhar legalmente eram um festival grotesco, todo um mundo "pré-nip & tuck". Mergulhei rapidamente antes de entrar num qualquer delírio pedófilo de carnes rijas de nome Lolita. Já antes de mim se fodeu o Vladimir. Eu não vou cair no mesmo e tenho, algures, A Mulher.

Era preciso ter cuidado onde se mergulhava e nadava devido a uma multidão de adolescentes ruídosos com pinta de quem tinha sido vomitado por uma telenovela rasca de um certo canal generalista, pelo menos de nome que de generalismos atávicos como este devemos fugir. Fugindo destas particularidades, foda-se, entre brincos de brilhantes, corpos molhados ainda sem barrigas de cerveja e respostas de uma inteligência boçal, começo a sentir-me deslocado já que sou o único gajo com pelos no peito; parte de um elenco maléfico para o qual as audições já fecharam - logo eu que até gosto de morangos...

O truque é não parar. Manter a cabeça fria e dentro de água e ignorar a chavala de quatorze anos e o puto que se comiam ao meu lado: após uma troca de olhares eles afastam-se, ela uma rémora no mamilo dele... e velhinhos que não reparavam em nada ou reparavam sem olhar enquanto, certamente, urinavam na água e exercitavam músculos há muito tempo perdidos.
Por momentos tive um flash de árabes há muitos anos atrás em grandes divertimentos aquáticos, mas pouco durou. Além do mais, poderíamos atribuir isso ao sol ou ao almoço ainda não digerido. Mas chegava a ser assustador - monstras marinhas mergulhavam ao meu lado (ELES COIXO! MERGULHU!!!!) seguidas por crias que seguiam o passo do gigantismo e que mergulhavam de uma forma não tão cuidadosa revelando seios do tamanho certo, mas horríveis devido à sua enorme auréola cor da pele que a circundava e me olhavam com um olhar que ainda agora não sei o que significava. Por momentos tive medo que a maior me agarrasse e a outra me violasse ali mesmo, mas felizmente sou do género de pessoas a quem isso não acontece por mais rústico que seja o meio ou embrutecidas as intervenientes.

Decidi bazar antes que sentissem o cheiro do medo ou simplesmente o suor que trouxe da estrada e perdi três minutos a explicar o óbvio à única rapariga bonita do local (maldito delírio pederasta): "-o que continha o cesto? -Uma t-shirt verde, uma carteira e um leitor de MP-3. É esse mesmo aí ao sei lado... não, do outro. Mais à esquerda... à SUA esquerda, mais um pouco... agora é esse imediatamente à direita - é ESSE com a t-shirt verde... não, ao lado desse...". Foi o colega dela que encontrou – dois miúdos olhavam discretamente o meu braço direito. A muda de roupas foi rápida: foi verter o conteúdo do cesto para dentro da t-shirt e fazer um trouxinha à vagabundo dos livros. E preparar-me para andar mais quatro quilómetros e aproveitar para secar. Enquanto andava, imaginava uma berma de uma estrada em que crescesse marijuana como uma planta daninha... algo que teria de ser fumado arduamente para salvar a terra da nação de desaparecer... morri de riso quando imaginei campos e campos de marijuana a arder e pensei que era esta a paulada de que o país de velhinhos precisava: uma moca vinda do quente!
A viagem até pareceu mais curta...




Agora estou no terraço da pensão. Imagino Tânger onde nunca estive e a torre da igreja à minha direita assume contornos de minarete. Lá vem o passado e os livros e essa maldita imaginação a trepar-me pernas acima. Montes à volta das casas fechando a vila. Por cima dos telhados parte do antigo castelo e os paços em ruína. Mestre de Avis o célebre e célere celerado anti-castelhano viveu aqui, correu, se nesse tempo as crianças corriam, na praça que hoje ostenta um enorme mural que grita ainda ABRIL ao vento quente que passa - que sempre passou e nunca parou. Como grande parte desta vila está em ruínas; de ano para ano há cada vez mais casas há venda - talvez compre uma e venha para cá com os meus livros e cadernos gozar o sol e o impossível silêncio. Do paço sobra uma parede poética com a grossura de quatro ou cinco homens, algumas janelas quebradas, caves onde se instalou um restaurante típico e uma discoteca dancetaria onde os jovens afugentam o tédio.

"E acordaram que pera se todo melhor fazer, que tanto que o Mestre chegasse aos paços e começasse em esto de poer mão, que logo Gomes Freire seu pajem, em cima do cavalo em que andava, começasse de vir rijo pela vila, bradando atá a casa de Álvaro Pais, dizendo altas vozes que acorressem ao Mestre de Avis que o matavam. E que então sairia ele com os seus, em maneira de acorro, chamando quantos achasse pelas ruas, os quais se iriam com ele de boa mente como ouvissem tal apelido, e que desta guisa se juntaria toda a cidade em sua ajuda."

E isto em Lisboa... imaginem o que ele não faria na sua terra!...

Ainda ontem estava no Porto e hoje parece que acordei aqui. Entre céus televisivos a ouvir Zita Swoon no final da tarde enquanto no quarto em frente ao meu conversam mãe e filha, a filha da mãe, o acidente e a pecadora enfrentando a hipocrisia social. Daqui consegue ver-se até muito longe... ordenadas filas de sobreiros, oliveiras; o jardim em frente à pensão; casas brancas a empurrar o deserto para longe. Mas sem sucesso a lutar contra a solidão. Tudo isto parece ter raízes no silêncio - algo tão profundo e e duro que a piscina, esse universo agitado e sexual, nem sequer chega a ser um escape, mas antes um compromisso comercial. Cinco minutos de nada.

Assim, em Portugal, enquanto o sol se põe sobre os montes onde o verde luta por vencer e a vida se desenrola num enorme abismo hiante, aqui tudo permanece quieto – e impossivelmente distante da vida.


josé de arimateia, contemplando o exílio

1 Comentários:

Blogger Ken Ewing Disse as coisas que se seguem:

Parece-me o exílio perfeito. Afinal são exílios como esses, sossego, natureza, os ecos de outros tempos, de outras vidas, melancolia, o impossível silêncio, vida em paz, " desfragmentar o disco", longe do grande buraco sem fundo que é a sociedade, as relações e as rotinas com que somos obrigados a lidar durante o resto do ano. Acho que o que se deve pedir num exíio é que seja demasiado simples para ser real, acho que pela tua descrição o sítio corresponde.

Forte abraço e Boas Férias!

11/7/07 00:01

 

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