35 anos depois
"Há 35 anos era a Revolução. Às 6 da manhã, alguém me telefonou: "A tropa está na rua!". Corri para o jornal, inquieto. Depois do 16 de Março, falava-se que Kaúlza e sectores direitistas do Exército preparavam um golpe. Na rádio ouviam-se marchas militares, só interrompidas por um comunicado do MFA aconselhando as pessoas a ficar em casa e ordenando às forças policiais que recolhessem aos quartéis. De repente, contudo, as ruas encheram-se de gente gritando: "Liberdade! Liberdade!". A Polícia ainda carregou sobre os primeiros manifestantes, mas já era tarde: tínhamos perdido o medo.
Em breve a Praça e os Aliados transbordavam de homens e mulheres, muitos com lágrimas nos olhos, abraçando-se e festejando e, aos meus ombros, minha filha, de 3 anos, com um cravo vermelho na mão, gritava também, contagiada por tanta felicidade: "Liberdade! Liberdade!". Há 35 anos era a Revolução. Depois foi (é) que se sabe. Diz Carlyle na sua "História da Revolução Francesa" que as revoluções são sonhadas por idealistas e realizadas por fanáticos, e quem delas se aproveita são os oportunistas de todas as espécies."
da autoria de Manuel António Pina e pode ser lido aqui
Não me vou alongar muito mais, nem vou sequer falar sobre os muitos casos de oportunismo político ou financeiro (normalmente andam de mãos dadas como um casal feliz) que têm vindo ao de cima nos últimos tempos. Temo, como muitos outros, processos vários que podem cair sobre mim com todo o poder dos castigos financeiros. Afinal de contas, hoje reaprendemos o valor do silêncio: até podemos saber da verdade das coisas, mas não convém verbalizar.
A crise, com todos os problemas que trouxe ao cidadão comum e a legião de desempregados que forma, enquanto muitas empresas tentam reduzir as perdas nos seus lucros milionários, acaba por ser um fenómeno bastante interessante. Uma declaração que passou ao lado do crivo de muitos jornalistas foi uma que dizia algo como "se não fosse a crise, nunca teriamos sabido destas ilegalidades".
Pois, porque aparentemente ninguém esperava que a bolha rebentasse e o frágil equilibrio que se mantinha nos mercados fosse desaparecer. Offshores, uso de capitais públicos, subornos, apropriação de capitais públicos, uso de investimento privado para enriquecimento de empresas... tudo isto é real e no fundo, lá bem no fundo do barril, estamos todos nós, pessoas normais em quem o sistema se sustenta.
Rapidamente se começaram a identificar os oportunistas: os senhores sérios -políticos, banqueiros, economistas, aqueles que estão encarregues de fiscalizar as acções destes.... legionários do fato e da gravata, cirurgiões do capital, médicos da economia e da política que agora jaz pálida e moribunda sobre uma mesa infecta.
A máscara caiu e a crise levou-a para longe. Resta a memória colectiva que não pode esquecer. Que não pode fechar os olhos novamente para, quando os voltar a abrir, ter à frente do seu destino político e financeiro as mesmas pessoas que hoje são julgadas ou interrogadas ou que esqueceram ética, deontologia e princípios para poderem ter uma carteira fatalmente inchada.
Hoje, a revolução seria a criminalização do enriquecimento ilícito.
Hoje, a liberdade existe para sermos escravos.
Hoje, já ninguém tem dinheiro para poder comprar cravos.
josé de arimateia, com demasiados cabelos brancos para a sua idade
1 Comentários:
Nem de propósito, e para estranheza minha, veio o Bochechas - um dos símbolos da revolução de abril -, à televisão falar dessa tal "presunção de inocência" relativamente ao nosso primeiro ministro. Nem de propósito, esse bendito senhor, foi um dos que mais enriqueceu ilicitamente em fins da década de 80 e início da de 90. Mas prontos! Por aqui se vê, e para tristeza nossa, que a tradição ainda é o que era, e que, quando um burro fala, os outros, inevitavelmente, baixam as orelhas; ou então, servem-se apenas das suas argumentações oportunas.
abraço!
25/4/09 03:36
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